segunda-feira, 18 de março de 2013

AMIGOS AUSENTES

Na áurea juventude, é normal algumas pessoas se considerarem imunes à maioria das mazelas do mundo. As tragédias das notícias são como ecos distantes de outra realidade e os grandes problemas são tão grandes que perdem a dimensão do absurdo e impregnam-se no cotidiano como a uma esponja. Nada vai bem e ao mesmo tempo tudo vai bem.

Mas a vida tem várias formas de quebrar essa ilusão egoísta dos jovens, e uma das jogadas mais eficazes é roubar amigos em caráter definitivo. "Roubar" é um termo um tanto injusto, visto que nada nos pertence de verdade nesse mundo, então digamos que a vida os pega de volta independente de nossa desimportante frustração.

Perder um amigo é uma das formas mais cruéis de perder a inocência. Mas com essa perda ganha-se a humildade perante o inevitável e dá-se o valor devido aos que ainda permanecem mais um pouco sob a batuta desse cronômetro invisível que nos mantém em movimento.

quinta-feira, 14 de março de 2013

LAPIDAR PALAVRAS

Antes de tudo a maturação, o revolver interior de pensamentos, inspirações, objetivos, possibilidades sem forma definida. Aos poucos e cada vez de uma forma diferente, as primeiras cartas do castelo se posicionam em uma frase, um nome, um acontecimento.

Imperceptíveis como as primeiras gotas de uma tempestade, as letras iniciam a torrente ávida por nascer e encharcar o mundo, cessando apenas quando a fonte se extingue satisfeita após expressar tudo que desejava. (o som do digitar incansável não se assemelha ao pesado desabar de uma chuva de verão?)

Então o processo seguinte se inicia. Retornar ao começo mirando a paisagem com novos olhos. Com o cuidado de um artesão, observar de longe, caçar detalhes microscópios, se demorar em um ponto específico... tudo para atingir a forma final e bela da melhor maneira possível e com as palavras certas - ou ao menos assim tentar, pois a perfeição almejada torna-se mais distante a cada revisitar. Esse ciclo é a sina e o prazer de quem lapida palavras.



segunda-feira, 11 de março de 2013

AMIGOS DISTANTES

Li várias vezes a mensagem encarando o celular, sem vergonha pelas lágrimas à vista de todos em um ônibus lotado. Meu sorriso descartava a possibilidade de más noticias, e qualquer pessoa entende o que é receber uma SMS que ganha seu dia, sua semana, seu ano. Será que ao me ver nesse estado alguém teve boas lembranças de uma experiência semelhante, tão simples e tão significativa?

Doze anos se passaram e infinitas reviravoltas, tragédias e comédias correram em paralelo nas nossas vidas. Imagino se haverá um dia em que sentaremos para dividir enfim as nossas grandes aventuras, seja nesse mundo ou em outro diferente. Mas isso é apenas uma especulação, então fiquemos com a verdade cristalina das poucas linhas trocadas em ínfimos 160 caracteres: a confirmação de que o breve período em que nossas linhas de tempo convergiram foram o suficiente para eternizar nossa conexão.

Talvez uma das razões para celulares e redes sociais se espalharem tanto e tão rapidamente é porque as ondas que proporcionam essa comunicação ultrarápida são invisíveis e poderosas, assemelhando-se ao laço que une amigos distantes.

quinta-feira, 7 de março de 2013

DECOLAGEM

Nas primeiras vezes que andei de avião, achei que desmaiaria. Cada ínfimo barulho já despertava o medo de uma desgraça inescapável, cada curva era um tormento medieval. Mais novata, impossível.

Durante a viagem em si não há muito o que me aflija, nem mesmo o pouso. A decolagem é o momento mais crítico, pois traz a assustadora fase de “sair do chão”. Vencida essa etapa, a gente se acostuma com a nova altitude. Douglas Adams escreveu que “para voar basta errar o chão” e ele não poderia estar mais certo. Parece que a coisa mais difícil para o ser humano é tirar os pés – e a alma – do chão firme e seguro.

Mesmo quando temos certeza de que largaríamos tudo por um sonho, nada garante que realmente aproveitaremos as oportunidades para isso. Não é culpa de ninguém. O chão é convidativo, a estabilidade é desejada e por vezes, na verdade, já temos tudo que precisamos e só percebemos quando algo crítico acontece.

Também não é preciso se martirizar. De tempos em tempos a vida nos força a umas decolagens, sem choro nem desculpa, e tudo que podemos fazer é acompanhar a subida com o frio na barriga característico.

Apesar desse medo constante, sento na janelinha sempre que posso, pois a vista sempre vale a pena.

- escrito em um avião no trajeto Curitiba - São Paulo em 23/09/12.