quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Rota para Cingapura - Parte V

“Oh, então você quer saber? Mas nada nesse mundo é de graça, compreendes? Porém, se tivesse algo para barganhar, poderíamos conversar mais...”

– PRO INFERNO COM ESSA MERDA!

Um amontoado de peixes defumados, sapatos e diversas bugigangas se acumulava na porta do depósito e quase bloqueava a pequena escada que levava às pilhagens e pertences de menor importância. Em meio ao caos, se batendo de um lado para outro feito um inseto recém capturado, a Ruiva ocasionalmente atirava alguma coisa na direção da saída gritando palavrões e maldições. Iluminando parcialmente o cômodo fedorento, apenas uma pequena lamparina pendendo de um ponto inalcançável na parede sem relógio. Não ouvia sons vindos de fora, tampouco podia saber se seus brados eram audíveis, já que não causavam nenhuma reação. Sua única indicação de tempo e espaço era o balanço do navio, sinal de que já haviam partido e de que seu destino era totalmente incerto.

Em suma, impossível saber quanto tempo havia se passado desde que entrara no navio e se vira iludida com a conversa do capitão pirata, que prometera levá-la embora com um 'acordo diplomático' e terminou por jogá-la em um canto sujo como se fosse parte do espólio. A parte mais odiável é que ele cumprira sua parte, embora a tivesse enganado perfeitamente. 

“Primeira lição; preste atenção aos termos de uma barganha.” – foram as palavras dele antes de atirá-la escada abaixo e trancar a porta, gargalhando escrachadamente. 

– E eu entreguei todos o nosso estoque de roubo da cidade... AHHHHHH QUE ÓDIO!!! – ela chutou com força um baú próximo, ouvindo um inesperado grunhido em resposta. Pulou três metros para trás instintivamente e agarrou a primeira coisa que poderia usar como arma, no caso, uma caneca lascada.

– QUEM ESTÁ AÍ? – não houve resposta, então ela se aproximou cautelosamente e pronta para atacar. Pelo sim pelo não, era melhor não correr riscos. Mas quando ergueu a caneca, o baú abriu-se repentinamente e um dos seus companheiros de gangue surgiu, totalmente sujo e com hematomas esparsos. A situação foi tão inesperada que a Ruiva piscou e abaixou a arma improvisada, incrédula.

– Ranhento...? Mas que porra é essa?

– O que parece? – o garoto fungou e saiu com dificuldade do baú – Eu tava fazendo um serviço bom em uma das casas durante a confusão, quando os piratas apareceram lá. Eu fiquei com medo e me escondi... acho que acabei dormindo, daí ouvi seus gritos e o chute... onde a gente tá?

– Só mesmo você pra dormir numa situação dessa... e teria sido melhor não acordar, caso tenha percebido, estamos no porão dos malditos piratas! – ela abriu os braços impacientemente, arrastando as próximas palavras por soarem constrangedoras – Fui enganada. Me pegaram.

– Pegaram você??? E o que a gente faz agora? A gente tá... no mar??? – a expressão do rosto do garoto adquiriu um assombramento absoluto, do qual a Ruiva fez pouco caso e deu de ombros.

– Se eu fosse você, voltava pro baú, já que ninguém sabe que está aqui. Se tiver sorte, consegue passar batido até o próximo porto. E quem sabe eu também...

Sentaram na palha áspera que cobria o chão e o silêncio pesou pelos próximos minutos, até Ranhento se recuperar do choque inicial e catar alguns peixes defumados, dando um deles para Ruiva com um sorriso sem graça que quase a fez destratar o gesto, mas o estômago dolorido de fome segurou sua língua. Sua posição, percebia com amargura, não era mais de líder e seu orgulho fora esmagado. Definitivamente não era o que esperava de uma fuga definitiva de Kinsale...

– Não importa a encrenca, comer é o mais importante, né? Mas... no fim você conseguiu, né Ruiva? – disse ele entre mordidas famintas e fungadas do nariz que escorria, sem se importar com o olhar perdido da garota nem com o catarro que por vezes chegava às suas mãos.

– Consegui o que, sacripanta?

– Não sei pra onde estamos indo, mas deve ser um lugar bem maior que a vila. Talvez seja até a Inglaterra.

A ingenuidade do garoto era quase irritante, mas ela se sentia desmoralizada demais para qualquer zombaria, então se limitou a bufar e esfregar o rosto com as mãos fedendo a peixe. As palavras do pirata voltavam a sua mente toda hora e não contribuíam nem um pouco para que acalmasse o espírito.

– “Preste atenção aos termos de uma barganha...” quem ele pensa que é??? - resmungou para si, levantando-se para novamente atirar um badulaque qualquer na direção da saída e quem sabe sentir-se menos furiosa.

Ela só não contava que a porta fosse se abrir exatamente nesse momento pela austera mulher de amarelo que a recebera com óbvio desgosto há algumas horas.

2 comentários:

  1. “Preste atenção aos termos de uma barganha..." isso vale sempre não é? Com piratas ou não...hehe...Esperemos para ver oq dirá a mulher de amarelo...
    E a saga continua....^_^

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  2. Saudações


    Medo aparenta desta "mulher de amarelo".
    No aguardo do próximo capítulo.


    Até mais!

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