quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Rota para Cingapura - Parte IV

Levou menos de um segundo. O ferimento rasgou o ombro do policial, dando brecha para o pirata tomar o sabre e cortar a garganta dele em um movimento veloz demais para olhos destreinados acompanharem.

– Esse não atrapalha mais.

A Ruiva levantou a cabeça ao ouvir a sentença, vendo o cadáver do guarda estirado ao chão e o pirata de costas recuperando sua espada. Ela tapava com as duas mãos o nariz, que sangrava por ter sido atingido em cheio pelo coice da arma. Apesar da dor, segurou as lágrimas e tentou pegar a pistola caída, mas ela pareceu mais pesada do que antes.

– Isso me pertence também – um pé postou-se bruscamente sobre a mão dela – Uma boa arma é isso, Carmezita é fiel ao dono mesmo nas situações mais improváveis.

Não havia traço de hostilidade no tom de voz do pirata, mas a garota não se daria ao luxo de abaixar a guarda e agiu da maneira que considerava mais correta em sua posição.

Essa área já tem dona. Arranje outro lugar pra roubar.

Sua intimidação costumava funcionar com trombadinhas das ruas rivais, mas dessa vez a única reação que conseguiu foi uma gargalhada debochada. Convém dizer que, se tratando de um pirata, esse resultado era longe de ser ruim, mas a frustrou de qualquer modo.

– Que conveniente, então! Estaremos conversando de líder para líder! – ele levantou-a pelo cangote repentinamente, colocando-a sobre alguns caixotes para que ficassem na mesma altura. – Capitão O’ Neil Korsan representando a frota Luxúria de Netuno. Estou falando com...?

– Ruiva. Só Ruiva. – apesar do nervosismo óbvio, ela se forçou a não gaguejar. Mas não pôde evitar as pupilas arregaladas quando o ar foi cortado pelo som da lâmina do pirata sendo sacada, ficando entre os dois de uma forma quase casual.

– Então, Srta. Ruiva, lhe informo oficialmente que estamos em processo de pilhagem de seu território, como já percebeu. Todos os tesouros e vidas da população nos pertencem, e qualquer resistência é inútil. Alguma objeção de sua parte?

Não era difícil perceber que sua única opção para sobreviver era entrar na conversa do pirata, por mais estranha e inesperada que lhe parecesse, então respirou fundo e continuou da melhor forma que podia.

– Eu... eu acabei de salvar você! Nessa terra, você tem uma dívida comigo...

– Ah, é mesmo? – ele interrompeu – Pelo que pude ver em seus olhos, seu desafeto com aquele cavalheiro já não era de hoje. Teria atirado nele se tivesse a chance, independente de qualquer vida em jogo, não é verdade?

– Isso não muda que...

– Vejo que não nega. E pergunto agora, a arma que lhe proporcionou tão justa vingança, a quem pertence?

– O que a sua arma tem a ver com...

– Exato, minha arma e minha pólvora. Logo, quem tem uma dívida comigo é você; uma vida e uma bala. Como pretende pagar isso?

Ele sorria largamente, divertindo-se com a confusão que se formou na expressão da menina. Entretanto, a surpresa saltou para o rosto dele quando, depois de alguns instantes, os olhos dela brilharam e um arremedo de sorriso ameaçou formar-se entre as manchas de sangue, do jeito que as crianças agem quando interessadas em saber como um brinquedo funciona.

– Como o senhor faz isso?

Longe dali, o porto jazia completamente tomado pela pirataria, a ponto do tédio começar a se instalar entre os saqueadores. As coisas poderiam ter ficado piores para a população se eles não temessem verdadeiramente a voz de comando ali presente.

– É o que basta. Esperemos o retorno de O’Neil.

Um vulto surgiu entre os piratas e foi reverenciado por eles, que se aquietaram imediatamente. Quem os supervisionava severamente era uma mulher muito alva, de cabelos negros, olhos puxados e maquiagem leve, destacando-se a sombra vermelha formando um risco discreto e firme na pálpebra inferior. Seu vestido amarelo de corte reto e a ausência de sapatos completavam a visão exótica. Ela se voltou para uma rua que levava à cidade, como se soubesse o que esperar dali.

– Já era hora. – comentou para si mesma quando viu a silhueta de O’ Neil saindo das sombras, vindo daquela direção. Entretanto, levantou as sobrancelhas ao ver algo além das suas expectativas e foi ao encontro dele, que agiu como se nada houvesse de anormal.

– Tudo certo por aqui, Lixiu?

– Por aqui, sim. E quanto a isso? – ela apontou com seus dedos longos e unhas compridas para a garotinha ruiva e esfarrapada que o capitão carregava pelo braço. Talvez o mais estranho, na verdade, fosse a expressão tranquila e satisfeita da menina.

– Ah, foi um bom negócio que fiz há pouco. Antes de sairmos, pegue dois rapazes para o último carregamento. Têm algumas coisas boas nos becos, escondidas pelos ratinhos eficientes da cidade...

2 comentários:

  1. huahuahua...."adotada" por um pirata...ele viu grandes possibilidades naqueles olhinhos de menina...ruiva!...

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  2. Saudações


    Crescem as possibilidades.
    Está ficando intrigante a vossa história aqui, nobre.


    Até mais!

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