quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Magellan VII – Parte XI

O silêncio imperou por alguns momentos, impassível. Kari aguardava a resposta dos líderes, e seus olhos deixavam claro que, dependendo de qual fosse, estava disposta a cometer uma ou duas loucuras. Entretanto, as palavras suaves de Tahina foram suficientes para amainar suas defesas.

– Contamos com você e Atlas para ajudar Ymir. E os outros que conseguimos resgatar.

– Atlas... voltou?

– Não, mas nós o encontraremos. Pouco mais de trezentas pessoas chegaram aqui, entretanto as condições têm piorado a cada dia. Acreditamos que seja hora de partir para Selene.

– Para a Lua...? E abandonar todo o resto do mundo...?      

– Fomos muito ambiciosos, não é? – Alva olhou para Kari com pesar – Pensamos que tudo estava bem na Terra e poderíamos alçar o universo... mas fomos subjugados por nossa própria natureza adormecida, bastando uma pedrinha no lago para as ondas se espalharem infinitamente... sim, tudo que podemos fazer é fugir e observar nossos erros. Erros que insistimos em enterrar sob nosso orgulho e por isso retornam agora com toda a força.

– Não se martirize, Alva. – Tahina interveio – Talvez não estivéssemos prontos para um passo tão grande, mas a Humanidade se recuperará.

– Imagino quais marcas restarão em sua essência após perderem todo o conhecimento dos milênios vividos...

– Marcas que evitarão os mesmos erros de seus antepassados. E estaremos observando da Lua, ajudando-os no que puderem para que não atrasem demais sua evolução. Mas antes essa Humanidade ainda regredirá completamente. É triste, mas tudo sobre a Terra se renova no tempo certo.

– No fim, não somos diferentes dos troncos de árvores sendo arrastados pela correnteza. Na verdade, eles conservam suas memórias seculares muito melhor do que nós.

– Quem sabe a humanidade que nos substituirá mude nisso.

Kari respirou longamente, atordoada com tantas informações e verdades terríveis. Sentia-se tão suja quanto o adolescente que perdera a família e decidira vingar-se do mundo, pois seu cérebro estava sujeito exatamente aos mesmos mecanismos. Sua fé pode tê-la impedido de sair demais da estrada, mas ela sabia a extensão de sua fragilidade. Alva e Tahina tinham razão, não havia escolha para ela ou para o mundo.

Deixe-me ficar com ele.

Dione assentiu e Kari entrou na sala onde o amor de sua vida dormia. Sentou-se com a cabeça dele em seu colo e chorou livremente. Mas apesar da dor, sabia que, acima de tudo, o fato de estarem juntos os salvara da decadência completa.

– Tudo que podemos fazer é recomeçar. E olhe só, chegaremos a tempo para o centenário de Selene... e celebrá-lo com seu irmão...  não é, Sr. Ymir Kaftari-Garin?

Três dias depois, a população do Endeavour partiu deixando para trás uma Humanidade deformada e autodestrutiva, que levaria eras para se reerguer das cinzas. Tempo suficiente para que os continentes se separassem e os fragmentos de um futuro perdido tomassem forma de Atlântidas, Édens, alienígenas ultratecnológicos e quaisquer metáforas que os homens pudessem imaginar para representar o obsessivo tema da extinção humana. Observando pacientemente do lado escuro da Lua, os antepassados-sobreviventes esperam que a Humanidade enxergue o potencial de sua natureza interior como um agente de extermínio mais letal do que qualquer ameaça externa e fantástica.

FIM

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