O silêncio imperou por alguns momentos, impassível. Kari aguardava a resposta dos líderes, e seus olhos deixavam claro que, dependendo de qual fosse, estava disposta a cometer uma ou duas loucuras. Entretanto, as palavras suaves de Tahina foram suficientes para amainar suas defesas.
– Contamos com
você e Atlas para ajudar Ymir. E os outros que conseguimos resgatar.
– Atlas...
voltou?
– Não, mas nós
o encontraremos. Pouco mais de trezentas pessoas chegaram aqui, entretanto as
condições têm piorado a cada dia. Acreditamos que seja hora de partir para
Selene.
– Para a
Lua...? E abandonar todo o resto do mundo...?
– Fomos muito
ambiciosos, não é? – Alva olhou para Kari com pesar – Pensamos que tudo estava
bem na Terra e poderíamos alçar o universo... mas fomos subjugados por nossa
própria natureza adormecida, bastando uma pedrinha no lago para as ondas se
espalharem infinitamente... sim, tudo que podemos fazer é fugir e observar
nossos erros. Erros que insistimos em enterrar sob nosso orgulho e por isso
retornam agora com toda a força.
– Não se
martirize, Alva. – Tahina interveio – Talvez não estivéssemos prontos para um
passo tão grande, mas a Humanidade se recuperará.
– Imagino
quais marcas restarão em sua essência após perderem todo o conhecimento dos
milênios vividos...
– Marcas que
evitarão os mesmos erros de seus antepassados. E estaremos observando da Lua,
ajudando-os no que puderem para que não atrasem demais sua evolução. Mas antes
essa Humanidade ainda regredirá completamente. É triste, mas tudo sobre a Terra
se renova no tempo certo.
– No fim, não
somos diferentes dos troncos de árvores sendo arrastados pela correnteza. Na verdade, eles conservam suas
memórias seculares muito melhor do que nós.
– Quem sabe a
humanidade que nos substituirá mude nisso.
Kari respirou
longamente, atordoada com tantas informações e verdades terríveis. Sentia-se
tão suja quanto o adolescente que perdera a família e decidira vingar-se do
mundo, pois seu cérebro estava sujeito exatamente aos mesmos mecanismos. Sua fé
pode tê-la impedido de sair demais da estrada, mas ela sabia a extensão de sua
fragilidade. Alva e Tahina tinham razão, não havia escolha para ela ou para o
mundo.
– Deixe-me
ficar com ele.
Dione assentiu
e Kari entrou na sala onde o amor de sua vida dormia. Sentou-se com a cabeça
dele em seu colo e chorou livremente. Mas apesar da dor, sabia que, acima de
tudo, o fato de estarem juntos os salvara da decadência completa.
– Tudo que
podemos fazer é recomeçar. E olhe só, chegaremos a tempo para o centenário de
Selene... e celebrá-lo com seu irmão...
não é, Sr. Ymir Kaftari-Garin?
Três dias
depois, a população do Endeavour partiu deixando para trás uma Humanidade
deformada e autodestrutiva, que levaria eras para se reerguer das cinzas. Tempo
suficiente para que os continentes se separassem e os fragmentos de um futuro
perdido tomassem forma de Atlântidas, Édens, alienígenas ultratecnológicos e
quaisquer metáforas que os homens pudessem imaginar para representar o
obsessivo tema da extinção humana. Observando pacientemente do lado escuro da
Lua, os antepassados-sobreviventes esperam que a Humanidade enxergue o
potencial de sua natureza interior como um agente de extermínio mais letal do
que qualquer ameaça externa e fantástica.
FIM
Nenhum comentário:
Postar um comentário