– E depois de tudo aquilo, mais casos de morte aconteceram, uma
loucura. Resultado: podem ver como o clima da cidade está estranho. As pessoas
andam temerosas de serem esfaqueadas na rua, pode isso? Bem, cada vez
mais parece um medo justificável...
Dentro da cabine branca e arredondada
para três pessoas, o veterano dirigia e explicava o que sabia sobre a situação. Por onde passavam havia uma
instabilidade no ar, como um vaso paralisado a um milímetro da queda no qual um
leve sopro seria o suficiente para espatifá-lo.
– Está muito pior que na enfermaria... Jano, pode ir mais depressa?
– Ah, se posso! Você sabe como nossas unidades móveis são potentes, não
é Kari? Segurem-se!!! – ele sorriu como se satisfeito pelo pedido e puxou ao
máximo o controle em forma de U para cima.
Entretanto, já próximos da rodovia que levava ao Centro Espacial,
avistaram um enorme amontoado de Unidades Móveis Urbanas formando uma barreira,
ao redor do qual um grupo fazia um fuzuê. Ao verem a unidade móvel de Jano se
aproximando, usaram seus comunicadores para amplificar a voz enquanto atiravam
no veículo qualquer coisa que tivessem à mão. Em meio à gritaria, algumas
afirmações repetidas podiam ser discernidas.
– Ninguém pode sair!! Ninguém sai dessa cidade até descobrirem os
monstros!!! Se o Governo não fizer, nós mesmos faremos então!!!
– O que esses malucos querem agora? – Jano cerrou o cenho e manteve o
olhar no trajeto, falando com repentino rancor – Eu vou é passar por cima! Essa
U.M. não vai cair fácil!
Ele foi a toda velocidade na direção da massa, mas no último instante
Ymir esticou-se e forçou o controle para o lado, tirando o veículo da direção
das pessoas e freando. Jano o censurou com o olhar, inconformado pela manobra
arriscada.
– Pense bem, Jano. – Ymir engoliu em seco, tentando arrumar as palavras
– Pense bem no que estamos fazendo. Atropelando pessoas sem nenhum remorso,
isso é normal? Estamos fazendo bobagens... sem entender o porquê. Nós... – segurou timidamente a mão de Kari, como se pedisse desculpas e ajuda – Nós não
podemos perder de vista o que é importante. Desculpe se não me expresso bem,
minha cabeça dói.
Ela retribuiu o aperto de mão, aliviada por ver o tom dos olhos dele
voltando ao normal, embora sua pele continuasse pálida como a de um anêmico.
Piscando várias vezes, Jano pareceu lembrar-se de algo muito importante e
limpou o suor da testa.
– Jesus Todo-Poderoso, o que eu estava fazendo? E... o que essa cidade
está fazendo?
– Ainda não sabemos, e mesmo se não pudermos descobrir, ao menos
precisamos nos manter sãos. – Kari olhou com firmeza para os dois rapazes.
Um baque surdo no veículo os lembrou de que havia uma turba amedrontada
lá fora, que tentava tirá-los da segurança interna utilizando partes das
unidades móveis abatidas. Lentamente, Jano deu a ré para sair e ativou a
flutuação, mas algumas pessoas se penduraram e isso não permitia a partida.
Ingenuamente, ele abriu um pouco a sua porta para tentar afastá-los no grito,
mas foi puxado violentamente para fora no mesmo momento.
– JANO! – Kari gritou e agarrou o controle ao mesmo tempo para que a
U.M. não tombasse, mas não conseguiu evitar a queda do amigo e acabou flutuando
ainda mais para cima, impossibilitando trazê-lo de volta.
– FUJAM DAQUI LOGO, ELES ESTÃO LOUCOS! LOUCOS! - foram as últimas
palavras de Jano antes de ser coberto pelos golpes furiosos da multidão, cujos
integrantes desocupados voltaram olhos gulosos ao veículo branco. Uivando de
frustração, Kari não teve escolha a não ser acelerar a toda velocidade para
salvar ao menos duas vidas.
Ana sempre me trazendo lembranças de certas palavras... "fuzuê"! Muito bacana a história!
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