Olá!
Me toquei que ainda não tinha divulgado aqui meu conto publicado pela Editora Draco na antologia Dragões, de 2012.
A coletânea traz 16 histórias + 6 contos diretamente para e-book com o tema óbvio: dragões, dragões de todos os tipos! Eu já li o meu e garanto que a maioria dos contos são agradáveis e bem acabados. A edição da Draco também ficou ótima, é um livro bonito de se ter na estante e robusto também.
Para comprar o livro inteiro em mídia física ou digital, veja mais detalhes aqui!
Os contos também estão disponíveis separadamente em e-book pela Amazon, então é fácil conseguir amostras de leitura e também selecionar os que mais interessem. O meu, Operação Rastro Rubro, tem como inspiração as histórias nas quais as criaturas fantásticas se misturam a nossa sociedade, como Fábulas de Bill Willingham e o seriado de TV Grimm.
Na história, uma série
de desaparecimentos leva o detetive Erik P. Coch até a chuvosa e antiga
Escócia. Lá, aliados inesperados e pistas insólitas o levarão ao covil
de um poderoso inimigo e velho conhecido.
Caso tenha interesse, meu conto está disponível nesse link!
Agradeço mais uma vez a Editora Draco pela oportunidade!
terça-feira, 1 de outubro de 2013
segunda-feira, 30 de setembro de 2013
O Médico Real - X
Um balançar leve e ritmado como um
embalo materno aos poucos se apoderava dos sentidos que despertavam.
Entretanto, ao invés do característico calor gentil, um frio
fustigante obrigava o corpo a mover-se abruptamente sob calafrios.
Além disso, o odor de ferro era incômodo o suficiente para reviver ecos desagradáveis.
O cheiro de mar e sangue que
exalamos...
A maldita frase foi o impulso que faltava para Charles jogar-se para frente, como que atingido por um solavanco. A visão embaçada aos poucos
clareou-se, e a dor forte na parte de trás da cabeça terminou de
trazê-lo de volta à realidade.
Tudo parecia fazer sentido. As roupas ensopadas e a ferida leve eram um preço barato a se pagar pela explicação lógica que encontrava: tropeçara
em uma madeira apodrecida e batera a cabeça, caindo desacordado no raso por alguns minutos e espalhando um pouco de sangue n'água. Apesar da dor no corpo pela posição desconfortável, o
mapa estava a salvo em sua casaca e apenas isso importava Sorriu, sentindo-se vitorioso sem um motivo claro.
Talvez tenha sido um sonho tempestuoso e nada mais. Embora certamente eu tenha vencido no final.
Satisfeito, recuperou sua cartola e o lampião ainda aceso caído na
ponte, misturando-se novamente à escuridão solitária do porto.
Embora talvez o desmaio na água
gelada esteja me causando uma leve febre...
Seguindo à risca as indicações do
mapa e superando a tontura que aumentava a cada passo, não esperava descobrir caminhos tão imprevisíveis desembocando em um velho e
esquecido navio, no qual um grande rombo no casco atestava sua
forçada aposentadoria. Por um instante identificou-se com ele,
desatino que atribuiu à febre.
Aqui se encerra meu destino final.
Isso sou capaz de jurar.
Não precisou procurar demais ao
entrar no cadáver oco de madeira apodrecida. A um canto, o X marcado no mapa
combinava-se com o tampo de uma caixa simples, facilmente ignorável por desavisados. Como e porque aquele local fora
escolhido por Percy, foi uma curiosidade fugaz na mente do médico,
desaparecida assim que o débil lacre se desfez.
Jamais contaria com a possibilidade de
um pirata esconder com tanto cuidado algo tão peculiar.
Entre curiosidade e desapontamento, agarrou o pequeno frasco de vidro envolvido cuidadosamente em um pergaminho, o único conteúdo da caixa. Desenrolou cuidadosamente o pequeno bilhete, sem saber se encontraria a solução do mistério ou o começo de outro.
Entre curiosidade e desapontamento, agarrou o pequeno frasco de vidro envolvido cuidadosamente em um pergaminho, o único conteúdo da caixa. Desenrolou cuidadosamente o pequeno bilhete, sem saber se encontraria a solução do mistério ou o começo de outro.
Depois de uma vida vivida para
trair, roubar e torturar, cheguei ao último porto.
Mas sabemos que não deve ser tão pior do que os estábulos a que estamos acostumados.
Mas sabemos que não deve ser tão pior do que os estábulos a que estamos acostumados.
Agora que está cansado de vagar a
esmo e sua herança é apenas o ódio dos inimigos e as dívidas não
pagas, é chegado o dia da fuga definitiva. A dose exata
para tudo terminar como deveria, da maneira que escolhi.
Nos vemos no inferno, cavalheiro da sorte.
De mim para mim mesmo,
em algum lugar do passado.
Apesar de tremida, a caligrafia trazia verdades que apenas o álcool é capaz de elucidar.
Fitou serenamente o líquido esverdeado que conhecia muito bem.
Fitou serenamente o líquido esverdeado que conhecia muito bem.
O nome Percy-alguma-coisa não significava nada. É um disparate acreditar que um marujo de baixo escalão pensara em algo tão refinado.
Talvez ele nem tivesse existido, pra começar. Tanto faz.
Talvez ele nem tivesse existido, pra começar. Tanto faz.
quinta-feira, 26 de setembro de 2013
Magellan VII - Parte X
Kari despertou
sentindo o corpo pesado, mas não demorou a perceber que estava em uma cama confortável
usando pijamas novos. Imaginou que delirava, até escutar uma voz familiar e
completamente real.
– Dorminhoca como sempre, Karirin.
–
DIONE! – sem questionar detalhes nem conter as
lágrimas, se jogou nos braços da irmã – Eu achei que nunca mais ia te ver...
–
Vocês tem mais sorte que juízo! – ela desabafou, também emocionada –
Logo que identificamos um objeto estranho entrando na capital incendiada,
corremos pra lá e conseguimos resgatá-los a tempo.
– E
Ymir? Onde ele está?
–
Está no centro médico, recebendo atendimento. Vamos, vou levá-la até lá. – tomou-a pela mão e conduziu-a pelos
corredores do Centro Espacial Endeavour, mais populoso do que Kari imaginava, o
que Dione logo explicou.
– Vários
sobreviventes conseguiram chegar aqui. Estivemos mandando sinais para que os
ainda não acometidos pudessem nos encontrar.
A ultima frase
de Dione trazia um tom um pouco incômodo, confirmado pela sala onde entraram.
Várias pessoas estavam isoladas em compartimentos acolchoados, inclusive Ymir,
sedado em uma cama.
–
YMIR! – Kari correu até o vidro que a
separava da câmara – O que significa isso, Dione?
–
Você tem o direito de saber. –
uma voz familiar surgiu no recinto, e os olhos de Kari e da diretora Alva se
encontraram depois de uma aparente eternidade.
Outra mulher de longos cabelos loiros e um senhor de barbas e bigode
grisalhos a acompanhavam.
– O
que Tahina e Vésper, os conselheiros-gerais de Laurásia e Godwana, estão
fazendo aqui? –
Kari arregalou muito os olhos, sentindo-se tão confusa quanto no dia da morte
de Loge, e olhou para Dione em busca de apoio.
–
Eles vieram porque é necessário. Irmã, você deve ter conhecido essa médica,
não?
Em outra sala
isolada apontada por Dione, uma mulher de pijamas com olhos vazios e cabelos
despenteados cutucava as próprias unhas, alheia ao mundo.
–
Dra. Hati? Mas... ela era chefe do centro médico em TerechKova... o que está
havendo?
– A
mulher a sua frente é a responsável pelo assassinato de Loge Hirming. – Alva tomou a palavra – E também pelos
crimes subsequentes na mesma cidade. Provavelmente era sobre isso que Jano
queria falar com vocês, já que estava lá quando a Dra. foi encontrada em estado
lamentável. Ela declarou que fez isso após Loge forçá-la ao sexo, o que foi
confirmado pelos exames médicos.
– O
QUÊ? Isso é... absurdo!
–
Absurdo é um termo cabível. Entretanto, descobrimos que uma neurotoxina
desconhecida alterara totalmente o padrão dos hormônios cerebrais dele,
acarretando um incontrolável
comportamento violento e irracional. E
a Dra. Hati apresenta padrões hormonais ainda mais agudos.
–
Passamos todo esse tempo investigando as causas da onda de violência que se
espalha pelo mundo – Tahina continuou – mas foram os relatórios da Missão Alpha
Regio que nos ajudaram a descobrir. Loge teve contato direto com a amostra
venusiana que trouxe e foi contaminado através dela.
–
Espera aí! –
Kari levantou a voz – Você quer que eu compre a história de uma neurotoxina
alienígena se espalhando pelo globo e infectando quatro bilhões de pessoas em
questão de meses?
–
Não. Apenas Loge foi infectado. – Vésper continuou – Mas você pode
entender o resto, não pode?
Kari silenciou
por um momento e fitou Ymir através do vidro, vendo também seu próprio e
irreconhecível reflexo desgastado.
–
Nós nos seguramos para não enlouquecer dia após dia, é verdade. Nem sei como
nós... nem sei se entendo, realmente. – ela parou, soluçando inconformada.
– O que a
toxina fez foi alterar substâncias produzidas
pelo próprio sistema nervoso, e não espalhar um agente externo como um vírus. – Dione segurou a mão da irmã –
Assim, o cérebro das pessoas foi se reprogramando para responder ao novo
ambiente, independente da presença da toxina. Algumas demonstraram maior
resistência, outras...
– Outras, como
o Ymir? Ele está bem!!! Ele veio comigo até aqui, eu sei do que ele é capaz e do
que não é! E outra coisa, se já sabem as causas, podemos curar as
pessoas!
–
Infelizmente, não é tão simples. – Tahina aproximou-se de Kari, séria, mas
gentil. – Todo o ecossistema foi degradado, os traumas foram profundos demais.
Claro, poderíamos desenvolver fármacos e sistemas para controlar as
pessoas, mas... controle não é cura. A Humanidade aprendeu isso a duras penas.
Além disso, mesmo essa atitude demandaria um tempo que nos falta.
– Qual é a
saída, então? O que vão fazer com o Ymir?
A essa altura, Kari já chorava como uma criança fragilizada e
confusa, inconformada com as expressões indiferentes das pessoas poderosas à sua volta.
segunda-feira, 23 de setembro de 2013
O Médico Real - IX
Depois que o cadáver se torna lenda, a verdade é irrelevante e se torna mero detalhe. Que o diga Edward Teach, pirata responsável por assombrar os mares durante período curto, porém suficiente para sua alcunha Barba Negra transcender mito e realidade ao longo dos séculos posteriores.
Tão eterno quanto o famoso capitão é seu navio Queen Anne's Revenge - A Vingança da Rainha Anna, monarca que passara para o outro lado um pouco antes da ascendência de Teach ao ofício pirata. A ideia de um fora-da-lei tomar para si uma vingança Real é aparentemente uma herege zombaria... mas a que ponto chegaríamos caso prestássemos atenção aos detalhes que cercam um mito?
– O que há com esse verme impertinente? Aja de acordo perante a Rainha, cão sarnento!
Uma voz trovejante ressoou e um solavanco atingiu o pescoço de Charles, fazendo-o cair de joelhos no chão áspero. Antes que entendesse o que se passara, o agressor surgiu por trás dele segurando-o pelo colarinho encardido. Embora apodrecido como outros, seus olhos mantinham uma faísca selvagem no rosto barbado e seu odor de mar e sangue era tão forte que destacava-se mesmo na atmosfera impregnada de cheiros malditos.
Tão eterno quanto o famoso capitão é seu navio Queen Anne's Revenge - A Vingança da Rainha Anna, monarca que passara para o outro lado um pouco antes da ascendência de Teach ao ofício pirata. A ideia de um fora-da-lei tomar para si uma vingança Real é aparentemente uma herege zombaria... mas a que ponto chegaríamos caso prestássemos atenção aos detalhes que cercam um mito?
– O que há com esse verme impertinente? Aja de acordo perante a Rainha, cão sarnento!
Uma voz trovejante ressoou e um solavanco atingiu o pescoço de Charles, fazendo-o cair de joelhos no chão áspero. Antes que entendesse o que se passara, o agressor surgiu por trás dele segurando-o pelo colarinho encardido. Embora apodrecido como outros, seus olhos mantinham uma faísca selvagem no rosto barbado e seu odor de mar e sangue era tão forte que destacava-se mesmo na atmosfera impregnada de cheiros malditos.
– Ed, querido, é só um mancebo desnorteado, sim? Deixe, deixe. – o comentário da Rainha fez o violento pirata largar o médico, bufando, e fazer a volta para se postar ao lado dela. Nesse movimento, Charles viu que mais seis crianças o seguiam e juntavam-se às outras às saias da monarca.
– Agora, meu jovem, por que tanta pressa nessa Londres onde o tempo não impera?
Notando que apenas a palidez exacerbada denunciava a real condição da Rainha, Charles cerrou os punhos e armou-se de toda sua disposição. Talvez a longa permanência naquele purgatório o estivesse perturbando, mas sua intuição gritava que, se havia uma saída, a mulher a sua frente detinha esse poder e ninguém mais.
– Se aqui é Londres e Sua Majestade é a gloriosa Rainha Anna da Grã-Bretanha, as antigas docas estarão em algum lugar, e encontrá-las é o que preciso mais do que qualquer coisa do mundo!
– Ora! – a Rainha soluçou, levando seu leque ao rosto – Se ainda lhe resta um lugar para ir, não é aqui seu lugar, criança.
Ao fechar do leque, as crianças e Edward se afastaram, os ruídos cessaram e tudo pareceu desaparecer ao redor do cirurgião, exceto os olhos vazios da matrona. Sua visão começou a embaçar enquanto ela erguia o braço em um gesto de autoridade.
– Você tem minha permissão para deixar Londres, cirurgião e embusteiro Chales Atkins!
A ordem atingiu Charles como uma explosão, e mais uma vez ele sentiu o chão sumir sob seus pés em uma queda infinita. O sorriso e as palavras da Rainha se perdiam como em uma névoa fugaz, assim como a noção de que não dissera nomes ou motivações na rápida conversa.
– Se o peso que carrega não o trouxer de volta, o mérito é todo seu.
quinta-feira, 19 de setembro de 2013
Magellan VII - Parte IX
Ymir e Kari conseguiam manter certa distância do grupo de marginais, mas eles eram persistentes e o veículo começava a dar sinais de mau funcionamento. Uma resposta atrasada do controle foi brecha suficiente para que um dos moleques acertasse um golpe certeiro no painel, causando a ativação forçada do pouso automático da U.M.
Imediatamente, ela foi cercada
pelos adolescentes.
– Podem ir
saindo e entregando toda a mercadoria se não quiserem sentir o gostinho dos
nossos brinquedos! – o garoto
que dera o comando pulou de seu skate para o teto da U.M., acertando-o com seu
taco de beisebol dourado e arrancando aplausos de seus companheiros.
Irritado, Ymir
cerrou os punhos e saiu do veículo sem pensar, sendo recebido com um golpe no estômago.
Kari veio em seu socorro e levou uma tacada pelas costas de uma das garotas.
– Essa
vadia é atrevida. Não gosto dela, posso matar, Xoth?
– Calma,
Liann... faz tempo que ninguém tenta entrar na capital, vamos nos divertir um
pouco. E os outros, peguem os suprimentos deles.
– Então são
vocês que estão atacando quem tenta entrar na capital...
– Ei
tiozinho, não olha assim pra mim. – o garoto
sorriu cinicamente e seus olhos avermelhados brilharam – Só estamos
sobrevivendo nesse mundo maluco.
– Vocês
fizeram parte dessa loucura caçando qualquer líder que pregasse a paz desde que
isso começou! – Kari
gritou, sua raiva superando o medo – Só aumentaram a histeria, seus doentes!
– Já estava
tudo morto, bonitinha. A gente só escancarou... sabe, seria injusto se só a
gente sofresse. –
perturbadoramente calmo, ele levantou as mangas da camisa branca que usava,
revelando horríveis cicatrizes de queimadura – A louca que fez isso ainda está
livre, depois de ter queimado minha casa com todo mundo dentro. Ninguém
resolveu nada, nem sabiam como lidar com isso. Geral aqui tem uma história parecida.
– Então
querem que todos passem pelo mesmo que vocês passaram? Isso consola
vocês?
O garoto olhou profundamente nos olhos do casal, e depois para cada um
de seus companheiros. Por fim, abriu um sorriso largo e prazeroso.
– Consolar
é pouco. Dá até tesão. – estalou
os dedos – Podem finalizar.
Tudo aconteceu muito rápido. Ymir teve a sorte de conseguir arrancar o
taco de beisebol do primeiro moleque que tentou acertá-lo, conseguindo assim
defender-se de outros, e Kari puxou o skate que estava ao lado de sua agressora
para atingi-la.
– MODO
RESGATE CÓDIGO VERMELHO! – Ymir
gritou e a U.M. entrou em piloto automático,
forçando caminho entre os marginais na direção do casal. Logo que
conseguiram entrar e iniciar a flutuação, o líder se empoleirou na porta
tentando pular para dentro como um macaco selvagem.
– Você não
é o único que perdeu tudo, infeliz! – com um
último chute no rosto, Kari o mandou de volta ao chão no meio do bando.
– Eles não
vão desistir, mas creio que estaremos bem. – Ymir
sorria como se descobrisse algo divertido – Os skates deles ainda são movidos a
bateria, não podem nos perseguir pra sempre enquanto tivermos essa U.M
Especial.
– É bom
você estar certo, porque é isso mesmo que eles vão tentar fazer!
Apesar da previsão correta, três dias se passaram até que os
adolescentes ficassem a pé, já próximos ao destruído Cinturão Resplandecente.
Mesmo impossibilitados de continuar a perseguição pela avenida coberta de vidro
cortante, eles ainda tiveram energia para escalar os destroços e xingar o casal
a plenos pulmões. Mas se soubesse que o destino deles seria uma cidade em
chamas, certamente o insano líder teria desistido facilmente de sua presa.
segunda-feira, 16 de setembro de 2013
O Médico Real - VIII
– Um lugar? Você disse que se
lembra de um lugar? Um ponto específico, marcado em um mapa e
tudo? Um mapa que veio com você?
– Vejo que memorizou bem minhas
palavras, dada a precisão com que as repetiu. – Charles respondeu
com um toque de ironia ao marinheiro estirado sobre um barril de
cidra apodrecido. Ele mantinha sua caneca empoeirada suspensa no ar,
encarando o médico com ar assombrado.
– Bem, é a primeira vez que vejo
alguém com uma lembrança tão forte por aqui. Se é tão importante,
é melhor correr antes que ela desapareça. – virou a caneca em um gole,
sorvendo a areia que logo em seguida deslizou pelas costelas expostas
– Uma coisa dessas só pode ser resolvida pela Rainha.
– E vocês têm uma Rainha? – Charles
levantou a sobrancelha, estranhando mais o respeito de um pirata pela
Rainha do que a efetiva existência dela.
– Aqui é Londres, amigo! É claro que
temos Rainha! – ele abriu os braços e soltou um riso rouco e
debochado, como se aquilo fosse óbvio demais para ser comentado.
– Que seja. Tenho pressa mesmo, se é o que preciso... onde
posso encontrá-la?
– Simples. Procure pelas cabeças
abaixadas. – ele apontou uma direção com o dedo podre –
Vai reconhecer as ditas no momento em que as enxergar.
Julgando que não arrancaria mais nenhuma informação útil do pirata em decomposição, Charles retomou a marcha na direção indicada. Sentia sua própria pele descascar-se e o pulso diminuindo o ritmo pouco a pouco, o que aumentava seu senso de urgência. Precisava sair dessa Londres antes que fosse tarde demais para seu corpo.
Impossível saber o quanto andara e onde estava exatamente quando o clima do ambiente pareceu mudar e o silêncio começar a se impor. Aos poucos, as figuras disformes espalhadas por todo o lugar foram interrompendo seus afazeres caóticos até se voltarem a uma só direção e, com sincronia inacreditável, caírem ao chão de joelhos.
– Oh, mas esse aqui eu desconheço!
Concentrado no fenômeno ao seu redor, o cirurgião não percebeu a voz feminina e estridente se dirigindo a ele, o único ainda em pé. Quando levantou os olhos, deu com uma figura feminina avantajada e grávida, usando largas vestes imperiais em frangalhos e uma peruca negra embaraçada. Ela o fitava com olhos vazios típico dos loucos, trazendo um bebê em farrapos nos braços e nove crianças cadavéricas de diferentes idades agarradas às suas saias.
– E não é que é mesmo a Rainha?
Vendo-se entre o assombro, o fascínio e o pastiche, Charles não evitou um sorriso e fez uma longa mesura, como ditava a tradição e as boas maneiras. Afinal, ainda era um médico real.
Julgando que não arrancaria mais nenhuma informação útil do pirata em decomposição, Charles retomou a marcha na direção indicada. Sentia sua própria pele descascar-se e o pulso diminuindo o ritmo pouco a pouco, o que aumentava seu senso de urgência. Precisava sair dessa Londres antes que fosse tarde demais para seu corpo.
Impossível saber o quanto andara e onde estava exatamente quando o clima do ambiente pareceu mudar e o silêncio começar a se impor. Aos poucos, as figuras disformes espalhadas por todo o lugar foram interrompendo seus afazeres caóticos até se voltarem a uma só direção e, com sincronia inacreditável, caírem ao chão de joelhos.
– Oh, mas esse aqui eu desconheço!
Concentrado no fenômeno ao seu redor, o cirurgião não percebeu a voz feminina e estridente se dirigindo a ele, o único ainda em pé. Quando levantou os olhos, deu com uma figura feminina avantajada e grávida, usando largas vestes imperiais em frangalhos e uma peruca negra embaraçada. Ela o fitava com olhos vazios típico dos loucos, trazendo um bebê em farrapos nos braços e nove crianças cadavéricas de diferentes idades agarradas às suas saias.
– E não é que é mesmo a Rainha?
Vendo-se entre o assombro, o fascínio e o pastiche, Charles não evitou um sorriso e fez uma longa mesura, como ditava a tradição e as boas maneiras. Afinal, ainda era um médico real.
quinta-feira, 12 de setembro de 2013
Magellan VII – Parte VIII
Ano 3115 CH – Ciclo 36 –
Semana 4
–
Atravessar a capital? Você é engraçado, cara. Só porque sua U.M. é
melhorzinha...
– Só nos
restou essa rota. Agora, pode encher a sacola, por favor?
– Bem, o
problema é de vocês... – um
barbudo de meia-idade usando um gorro encardido começou lentamente a colocar
mantimentos na sacola de Ymir – Já vi alguns malucos morrerem tentando essa
proeza. Desde a queda do Cinturão Resplandescente, aquilo lá virou um antro...
– O que
mais você sabe sobre a situação?
No mesmo instante, o negociante esticou a mão aguardando um novo
pagamento. Ymir revirou os olhos perante aquele abuso que estava se tornando
comum em todo tipo de comércio e remexeu na mochila, procurando qualquer coisa.
– Que tal
isso aqui? - retirou um crucifixo translúcido – É de Vitral Diamante, o mesmo
material dos prédios do Cinturão.
– Oh, isso
é interessante, rapaz – com os olhos brilhando, o comerciante tomou o item das
mãos de Ymir – Bem, vai encontrar muito
disso por lá, mas não em condições de uso. O Cinturão costumava ser a joia de
boas-vindas da capital, mas agora é culpado por seu isolamento... sua
destruição ilhou a cidade e mostrou como o Vitral pode ser fatal... bem,
ninguém imaginaria que todos os edifícios acabassem em ruínas ao mesmo tempo,
né?
Depois disso, Ymir não descobriu mais nada de útil e retornou ao
veículo onde Kari montava guarda. Depois de uma última olhada ao redor, ambos
entraram na U.M. e só falaram depois de selar as janelas e ativar a flutuação.
– Tive de
me desfazer do crucifixo de Jano... – Ymir bufou insatisfeito, mas deixou sua
frustração de lado ao vê-la tentando se contatar ao comunicador da mãe
novamente. À exceção de seus irmãos, desconheciam o paradeiro de toda a família
e esse desespero os assaltava frequentemente.
– Dione também
não atendeu hoje. Espero que esteja tudo bem lá no Endeavour... bem, ela também
tem suas obrigações como médica lá... mas queria que ela retornasse a ligação...
– Venha
aqui. – ele colocou a mão sobre a dela, trazendo-a mais
para perto de si e beijando-a demoradamente. A situação extrema que viviam
deixava pouco tempo para trocarem carícias, mas às vezes era necessário demais
lembrar que ainda tinham um ao outro naquele caos de incertezas.
Entretanto, um baque seco e forte no teto do veículo os puxou de volta
para a realidade alguns minutos depois. As conversas do lado de fora eram
indiscerníveis, mas um comando forte e malicioso confirmou terríveis intenções.
– Batam até
esmigalhar!
– Droga,
justamente agora? – sofrendo
fortes pancadas na U.M, só restou ao casal ir a toda velocidade para frente.
Kari ativou o painel externo e soltou um grunhido de desgosto quando viu os
agressores, um bando de moleques com tacos de beisebol manchados de sangue e skates flutuantes de modelo ultrapassado.
–
Aqueles... Ymir... – Kari engoliu em seco. Não esqueceria o rosto dos assassinos do Dalai Lama, não importa quanto tempo tivesse passado.
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