Kari despertou
sentindo o corpo pesado, mas não demorou a perceber que estava em uma cama confortável
usando pijamas novos. Imaginou que delirava, até escutar uma voz familiar e
completamente real.
– Dorminhoca como sempre, Karirin.
–
DIONE! – sem questionar detalhes nem conter as
lágrimas, se jogou nos braços da irmã – Eu achei que nunca mais ia te ver...
–
Vocês tem mais sorte que juízo! – ela desabafou, também emocionada –
Logo que identificamos um objeto estranho entrando na capital incendiada,
corremos pra lá e conseguimos resgatá-los a tempo.
– E
Ymir? Onde ele está?
–
Está no centro médico, recebendo atendimento. Vamos, vou levá-la até lá. – tomou-a pela mão e conduziu-a pelos
corredores do Centro Espacial Endeavour, mais populoso do que Kari imaginava, o
que Dione logo explicou.
– Vários
sobreviventes conseguiram chegar aqui. Estivemos mandando sinais para que os
ainda não acometidos pudessem nos encontrar.
A ultima frase
de Dione trazia um tom um pouco incômodo, confirmado pela sala onde entraram.
Várias pessoas estavam isoladas em compartimentos acolchoados, inclusive Ymir,
sedado em uma cama.
–
YMIR! – Kari correu até o vidro que a
separava da câmara – O que significa isso, Dione?
–
Você tem o direito de saber. –
uma voz familiar surgiu no recinto, e os olhos de Kari e da diretora Alva se
encontraram depois de uma aparente eternidade.
Outra mulher de longos cabelos loiros e um senhor de barbas e bigode
grisalhos a acompanhavam.
– O
que Tahina e Vésper, os conselheiros-gerais de Laurásia e Godwana, estão
fazendo aqui? –
Kari arregalou muito os olhos, sentindo-se tão confusa quanto no dia da morte
de Loge, e olhou para Dione em busca de apoio.
–
Eles vieram porque é necessário. Irmã, você deve ter conhecido essa médica,
não?
Em outra sala
isolada apontada por Dione, uma mulher de pijamas com olhos vazios e cabelos
despenteados cutucava as próprias unhas, alheia ao mundo.
–
Dra. Hati? Mas... ela era chefe do centro médico em TerechKova... o que está
havendo?
– A
mulher a sua frente é a responsável pelo assassinato de Loge Hirming. – Alva tomou a palavra – E também pelos
crimes subsequentes na mesma cidade. Provavelmente era sobre isso que Jano
queria falar com vocês, já que estava lá quando a Dra. foi encontrada em estado
lamentável. Ela declarou que fez isso após Loge forçá-la ao sexo, o que foi
confirmado pelos exames médicos.
– O
QUÊ? Isso é... absurdo!
–
Absurdo é um termo cabível. Entretanto, descobrimos que uma neurotoxina
desconhecida alterara totalmente o padrão dos hormônios cerebrais dele,
acarretando um incontrolável
comportamento violento e irracional. E
a Dra. Hati apresenta padrões hormonais ainda mais agudos.
–
Passamos todo esse tempo investigando as causas da onda de violência que se
espalha pelo mundo – Tahina continuou – mas foram os relatórios da Missão Alpha
Regio que nos ajudaram a descobrir. Loge teve contato direto com a amostra
venusiana que trouxe e foi contaminado através dela.
–
Espera aí! –
Kari levantou a voz – Você quer que eu compre a história de uma neurotoxina
alienígena se espalhando pelo globo e infectando quatro bilhões de pessoas em
questão de meses?
–
Não. Apenas Loge foi infectado. – Vésper continuou – Mas você pode
entender o resto, não pode?
Kari silenciou
por um momento e fitou Ymir através do vidro, vendo também seu próprio e
irreconhecível reflexo desgastado.
–
Nós nos seguramos para não enlouquecer dia após dia, é verdade. Nem sei como
nós... nem sei se entendo, realmente. – ela parou, soluçando inconformada.
– O que a
toxina fez foi alterar substâncias produzidas
pelo próprio sistema nervoso, e não espalhar um agente externo como um vírus. – Dione segurou a mão da irmã –
Assim, o cérebro das pessoas foi se reprogramando para responder ao novo
ambiente, independente da presença da toxina. Algumas demonstraram maior
resistência, outras...
– Outras, como
o Ymir? Ele está bem!!! Ele veio comigo até aqui, eu sei do que ele é capaz e do
que não é! E outra coisa, se já sabem as causas, podemos curar as
pessoas!
–
Infelizmente, não é tão simples. – Tahina aproximou-se de Kari, séria, mas
gentil. – Todo o ecossistema foi degradado, os traumas foram profundos demais.
Claro, poderíamos desenvolver fármacos e sistemas para controlar as
pessoas, mas... controle não é cura. A Humanidade aprendeu isso a duras penas.
Além disso, mesmo essa atitude demandaria um tempo que nos falta.
– Qual é a
saída, então? O que vão fazer com o Ymir?
A essa altura, Kari já chorava como uma criança fragilizada e
confusa, inconformada com as expressões indiferentes das pessoas poderosas à sua volta.
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