segunda-feira, 12 de agosto de 2013

O Médico Real - III

A cidade noturna, fria e sem vento, era como um cadáver embalsamado em neblina. Em meio a esse espesso fog, Charles se movia pelas ruas como um verme se move na carniça. Sua silhueta negra, alta e fina se confundia com as sombras longas dos postes, pouco ameaçadas pela débil luz de seu lampião, suficiente para iluminar apenas poucos metros à frente de seus olhos.

Semelhante à luz trêmula de um navio em noite de tempestade, quando  as cordas lanhavam as mãos dos marinheiros, os tombos causavam concussões e fraturas e a água fria trazia gripes fatais pela manhã. Os unguentos resolviam os casos mais leves e ocasionalmente uma amputação era necessária, normalmente após saques e batalhas... muitas vezes uma morte rápida era mais requisitada e eficiente do que uma cura pouco provável. Assim sendo, cirurgiões de navios piratas acabavam tão ou mais assassinos quanto seus colegas de viagem.

Um rato passou rapidamente aos pés de Charles assim que o médico entrou na região das docas. Piscou, livrando-se dos devaneios, e checou novamente o mapa. Respirou fundo, ignorando os navios atracados que pareciam observar-lhe os passos. Não daria ouvidos à parte irracional de seu cérebro que ordenava manter os olhos longe daquelas amuradas, de onde os fantasmas esperavam uma chance para arrastá-lo ao Lado de Lá.

Mas não a ele, um filho legítimo da Inglaterra, um devoto da Rainha e da Santa Igreja, um respeitável médico que se tornara conhecido na nobreza em tão pouco tempo e que já enxergava na esquina mais próxima a chance de exercer a profissão no palácio...

Toc. Toc. Toc. Toc. Toc. - um toque ritmado e seco de madeiras se chocando começou a ecoar nas docas, logo que Charles desceu as escadas para o local mais antigo e menos utilizado.

Toc. Toc. Toc. - se aproximava. Em um movimento rápido, o médico cobriu o lampião com a capa e deitou a mão na pistola oculta nas vestes. Mal o fez, sentiu um cheiro de gato morto escaldado forte a ponto de se sobressair ao característico odor do porto.

A ponto de causar uma vertigem sem igual a um homem resistente à pior das tempestades e ao mais putrefato defunto.

- Ei, cirurgião!

A voz rouca ecoou na escuridão e o cheiro se intensificou.

4 comentários:

  1. Saudações


    Surpresas inquietantes nesta parte do conto...

    Parece que o nobre Charles se verá às voltas com alguém que ele não esperava encontrar. Ao menos, não em tal momento.

    A sequência aparenta prometer fortes doses de emoção...


    Até mais!

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  2. É senhorita Ana, conseguiu me deixar curioso.

    Aguardo a continuação.

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  3. [Yay!]
    Mas que história tensa! Amedrontadora!
    Você tem uma ótima capacidade de contar um suspense!
    Consegui comentar, finally!
    [/Yay!]

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  4. Ei filha,escrevendo muiiiito hein!Estou adorando ^_^...quero maisss....hehehe o/

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