segunda-feira, 26 de agosto de 2013

O Médico Real - V

Ei, Glasby, passa pra cá esse rum, seu sacripanta!

O velho John tinha um navio galante.. e todas as meretrizes do cais...até que uma corda ligeira... fez o John ser passado pra trás...

Um dia aquele Silver aparecerá aqui também, e nesse dia eu...

De olhos fechados, Charles discernia a algazarra dos piratas espalhados pelo porto, a música ruim e o odor marítimo misturado ao perfume barato de prostitutas. Em terra, eles não passavam de arruaceiros da pior espécie, causando todos os tipos de problemas e lembrando-o de que vivia entre os proscritos da sociedade, independente de sua educação superior.

Mas graças a isso, posso trabalhar livre de moralismos desnecessários. É o preço a se pagar pelo avanço científico... mas... o que há com essa cama, mais dura do que o usual...

Charles se mexeu um pouco, fazendo uma leve careta e abrindo um dos olhos. Os borrões que enxergou pareciam enganar seus sentidos, mas quando viu-se totalmente alerta, nada mudara no cenário. Grupos de piratas jogavam, bebiam, cortejavam e brigavam, o que a princípio era completamente normal.

Estamos todos bêbados, bêbados de cair...
e todos que não estiverem bêbados, deem o fora daqui!*

Tirando o fato de que alguns estavam apodrecendo, outros eram esqueletos com vestes rasgadas e puídas, que o chão e os objetos eram feitos de velhas ossadas e que as garrafas estavam cheias de areia, não de rum. A atmosfera viciada como uma nuvem de carne podre não incomodava as criaturas, que continuavam a cantoria ser dar atenção ao aterrorizado recém-chegado ajoelhado na beira de um mar sem ondas.

O açougueiro sem dedo que trabalhava no cais
Passava o dia fazendo piada da falta que o dedo lhe faz!*

Charles levantou-se cambaleante,o ambiente bizarro rodopiando ao seu redor. Sua capa e cartola haviam sumido e dado lugar a uma veste simples de viagem. Calçava botas de couro em vez dos sapatos lustrados e seu longo rabo de cavalo caía pelo ombro; reconheceu com asco que tudo estava assustadoramente conforme sua época de trabalho em alto-mar.

O que... é isso...? – finalmente conseguiu formular uma sentença completa entre os pensamentos atordoados – Onde... eu... estou...?

Onde mais poderia estar?

Apesar de tê-la enterrado no fundo de seu espírito junto com tudo que julgava indigno, Charles reconheceria aquela voz em qualquer situação. Para seu próprio desgosto, olhou para o lado e viu um pirata mais alto e forte que ele com os braços abertos em uma cordialidade exagerada. Sua pomposa figura de capitão não trazia nada de cadavérico ou anormal, excetuando-se, entretanto, o nó de enforcado pendurado em seu pescoço.

Bem-vindo a Londres, velho amigo! A nossa Londres!

... MORTIMER? – Charles saltou de lado, gelado como se seu sangue parasse de correr – Não pode ser... eu... eu fiz sua autópsia!!!

Eu sei! Eu estava lá! – o pirata riu grotescamente, dando um trago em seu cachimbo e coçando a barba bem feita – Faz tempo mesmo, hein Atkins... mas eu me lembro de tudo, claro... sabe que é burrice das as costas ao passado, não é? É como...

Ele se aproximava do médico, que o encarava chocado demais para racionalizar tantos absurdos e reagir adequadamente. Mas quando o rosto do capitão aproximou-se demais e transfigurou-se em uma caveira hedionda, seu senso de perigo pareceu despertar.

– … é como dar as costas a um pirata, não concorda, cirurgião da peste???

Gritando horrorizado, Charles desatou a correr pela paisagem desconhecida ao som das risadas vingativas do capitão putrefato.

3 comentários:

  1. Oh oh oh e uma garrafa de run!Onde está o "cirurgião da peste"?...no LIMBO cercado pelo seu Passado!!hahuahuahua..boa filha...o duro é esperar pela próxima segunda...ai ai...

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  2. Sacripanta. Há quanto tempo não ouvia essa palavra!
    Argh! Como seria o odor barato de prostitutas? Aliás, prefiro não saber...
    "- Não pode ser... eu... eu fiz sua autópsia!!!" Melhor frase aterrorizante!
    Dá vontade de aparecer assim como Mortimer aos médicos malditos que nos atendem mal por aí!

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  3. Saudações


    No início a rima (que achei ótima) e na sequência a bebida (fazendo o estrago esperado - positivamente falando - nos personagens).

    Deverás lançar seu conto em pdf em oportuna oportunidade, nobre Ana.


    Até mais!

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