segunda-feira, 5 de agosto de 2013

O Médico Real - II


Constance, um nobre galeão sequestrado e rebatizado de Lúgubre Consorte nas mãos dos piratas em 1720, teve o destino cruel de uma donzela arrancada do bom caminho. Entretanto, tanto fez que pareceu afeiçoar-se a essa nova vida de liberdade e anarquia, até ser dominado - leia-se afundado - pelas autoridades em 1725.

Toda a tripulação do nefasto Capitão Mortimer foi enforcada em um ato louvável de justiça divina representada na Terra. Irredutíveis e zombeteiros, tombaram bradando e maldizendo Deus, a Rainha e a única alma viva que pôde ser salva de suas vilanias.

“Atkins! Atkins! O que é seu está guardado e o diabo há de vir buscar!”

Charles abriu os olhos repentinamente, sentindo as costas doloridas pela má posição em que dormira. Seu diário encontrava-se aberto sob seus braços, nos quais seu queixo se apoiava de mau jeito. Jogou-se para trás na cadeira com um gemido abafado, lamentando a idade que começava a pesar. Percebeu que a madrugada avançava.

Repassou detalhadamente o mapa que acabara de reproduzir no papel. O cadáver totalmente mutilado de Percy atacava o ambiente com seu odor de carniça e secreções, banalidades que há mais de duas décadas não incomodavam o cirurgião. Os pedaços de pele e carne contendo o mapa não eram mais necessários e foram despejados com os detritos incineráveis. O resto do corpo seria despachado logo em seguida, tendo cumprido sua inestimável função.

Deus salve a misericordiosa Rainha – murmurou com um meio sorriso, guardando o mapa no bolso e vestindo sua cartola e manto.

Um comentário:

  1. Saudações


    Charles me parece ser o tipo de personagem que age conforme as próprias crenças, anseios e perspectivas. Não parece, nesta parte do conto, que ele estivesse amargurado com algo. Na verdade, tal homem parecia tão à vontade com o que cercava-o que qualquer ação seguinte lhe soava como minimamente normal...

    Pergunto-me se ele terá êxito naquilo que quer...


    Até mais!

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